sábado, 17 de agosto de 2013

Entretanto... O que pode acontecer quando se trabalha no feriado.

já lá vai o tempo em que o feriado era sinónimo de coisas fechadas, pelo que as famílias pegavam em si e iam para a praia. Agora são mais comerciais e por isso decidem fechar-se nos centros comerciais, pelo que por volta das 15h as lojas estão à pinha. Isto tudo para perceberem o que vos vou relatar a seguir. 
Pois que eu tinha acabado de voltar da minha hora de almoço, quando nos entra um pai disparado pela loja a dizer que nós tínhamos de fazer qualquer coisa para ajudar a filha dele, quando se vira a miúda de 19 anos que vinha pendurada entre os pais desmaia entre eles. Uma das minhas colegas corre para chamar o segurança, como manda o protocolo, e aparecem logo três. Um deles começa a ver-lhe os sinais vitais o outro liga para 112, colocam a chamada em espera, o normal nos dias que correm. Começa a tocar pela loja uma música pimba muitíssimo alta, do telemóvel de um cliente que andava pela loja sem querer saber do assunto.
A mãe decide que a melhor forma de manter a miúda acordada é começar a esfregá-la com álcool o que a põe a gritar desenfreadamente. O INEM diz que vai enviar uma ambulância. Os clientes começam a fazer fila ao balcão, para uns o facto de estar ali uma miúda semi-inconsciente mesmo ao lado deles é-lhes completamente indiferente só querem que os despachemos, para outros o importante é saberem tudo o que aconteceu ao pormenor ("É vossa colega?", "Não", "Mas tem uma bata das vossas.", "Sim ela queixou-se com frio e a única coisa que temos é as batas por isso foi o que lhe demos.", "Mas o que é que aconteceu? Porque é que ela está assim?"). Houve ainda aqueles que tinham todo um conjunto de opiniões sobre o que se deve fazer sendo que tudo o que estava a ser feito era claramente errado e nós só estávamos a tentar matar a criança ("Não lhe dêem água que ela sufoca!" "Ninguém lhe está a dar água, o segurança está só a molhar as mãos e a passá-la nos braços e testa para ela não adormecer.", "Ela devia ter as pernas elevadas.", "Não temos onde as por.", "Ela devia estar sentada numa cadeira.", "Só temos uma cadeira e tem rodas se a colocarmos lá ela vai cair, não tem estabilidade").
De 10 em 10 minutos o segurança voltava a ligar para o 112 a tentar perceber porque é que a ambulância nunca mais chegava, tendo em conta que o hospital fica a 5 minutos de distância, estava sempre a caminho, mas nunca mais chegava. 
À boa maneira portuguesa todos se interessam muito por desastres, portanto como nos acidentes automóveis, as pessoas que andavam pelo shopping abrandavam  o passo e juntavam-se do lado de fora a ver, mas há sempre os mais ousados que decidiam entrar meter-se literalmente em cima da miúda para a ver bem e depois darem meia volta e saírem sem dizer uma palavra. 
Como a mãe nos contou que a rapariga estava com o período e não tinha almoçado, nós calculamos que com o calor as defesas não tivessem resistido e fosse um caso normal de falta de açúcar no sangue. Estávamos a comentar  isto quando a mãe se vira para a outra filha e a manda ir comprar um bolo para a irmã. Explicámos-lhe que ela não lhe podia dar o bolo mas ela não quis saber da nossa opinião para nada. Tentou forçar a miúda a comer o bolo, mas como é óbvio ela voltou a gritar e chorar porque não o queria.
Chegou um rapaz da manutenção para ajudar, vira-se para mim e pede-me uma toalha ou um cobertor, eu fiquei a olhar para ele a pensar se ele achava realmente que nós tínhamos alguma dessas coisas naquela loja, e se acima de tudo pensava que tendo não lhas teríamos já dado.
Então uma cliente faz-me passar por cima da miúda porque acha que aquele é o melhor momento para reclamar com o facto da campanha que tivemos em loja durante o mês passado, ter acabado. por mais que eu lhe explica-se que as campanhas têm um prazo e que aquela já tinha acabado há 3 semanas ela não se conformava. Depois decidiu reclamar com o facto de nós já não termos os sacos que a marca ofereceu este ano, pelo que a empresa decidiu começar a oferecer os que sobraram do ano anterior. tudo isto com os gritos e choro da miúda a meio metro de nós. Uma jóia.
O telefone toca, vou atender, era da central de segurança, precisavam de preencher a burocracia relativa ao incidente pelo que me fizeram ir ter com o pai para lhe pedir os dados. Uma delicadeza sem igual.
Ao fim de 40 minutos chegaram os bombeiros, finalmente a rapariga foi para o hospital. Se fosse para morrer bem podia ter morrido. 
No fim de saírem todos, chegou uma senhora:
"Mas onde é que está a miúda?"
"Foi para o hospital."
"Mas quem é que a levou?"
Ficámos com a impressão que ela achava que nós a tínhamos raptado ou atirado para algum alçapão escondido, mas acabámos melhor nem responder. 
Há dias em que uma pessoa se questiona sobre onde é que as pessoas guardaram a humanidade, se é só insensibilidade, ou se estão todos demasiado ocupados para se colocar na pele dos outros.

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